Amar?

Tenho duas gatas, a Hishiro e a Ratinha. Não escolhi nenhuma das duas, nem seus nomes, mas elas são minhas e ninguém as tirará de mim. É um amor gigantesco. Mas diariamente elas me fazem refletir sobre esse sentimento.

Elas são minhas. O amor é posse?

As amo ao ponto de doer só de imaginar perdê-las. O amor é dor?

Se animais irracionais amam, elas me amam? O amor é reciprocidade?

A Hishiro é conhecida por todos por ser "temperamental". Não aceita que mexam com ela quando ela não quer, tem medo do desconhecido e de desconhecidos, e sua forma de defesa é agir com "violência". Ela morde ou arranha quando não gosta de algo. Mas apesar do que muitos pensam não é uma ação surpresa, ela dá vários indícios que não está gostando, que quer ser deixada quieta, que não está "para brincadeira". Mas o que a gente faz? A gente insiste. Continua, brinca, tenta pegá-la. Então ela age. E fica como a "ruim da história". Mas ela é companheira, gosta de estar perto, mesmo se estiver com medo. Chora quando fica sozinha e se você a chama ela se deita com você e dorme.

A Ratinha é mais "sociável". Ela nunca mordeu ou arranhou ninguém e por isso é vista como boazinha. Ela é boba e as vezes aparenta não ser muito inteligente, mas claro, essas são perspectivas de um ser humano que a observa e a compara (mesmo que inconsciente) com outros animais. Ela é a querida de todos. É insistente e desobediente. Ela é medrosa e diante de qualquer situação diferente do habitual ela se esconde e só reaparece quando tudo parece ter "voltado ao normal". Se você estiver comendo, ela tentará comer sua comida, e não adianta afastar ou falar não. Ela insiste. Várias e várias vezes. Se ela quiser seu cabelo, não adianta falar não ou afastá-la. Ela insiste. Várias e várias vezes. Mas se você quiser abraçá-la ou fazer carinho, ela simplesmente foge (exceto se ela veio em busca disso antes, mas mesmo assim, não ultrapasse alguns limites, não tente pegá-la, não seja expansivo).

Porém é a Hishiro que é a mais carinhosa comigo. Pede carinho, deita junto, faz "massagem". Se eu quero abraçá-la, eu a abraço e ela no máximo reclama (se tiver alguém perto, pois quando somos só nós duas ela fica quietinha e espera eu soltá-la para se deitar ao meu lado). Eu posso pegá-la, abraçá-la e até dar tapinhas no seu "bumbum", que ela ronrona e se aconchega. A Ratinha não permite abraços, foge, endurece. Não deixa fazer carinho, foge, endurece. Somente quando ela te procura você consegue passar a mão nela, mas não tente mais do que isso, pois ela irá fugir.

E mesmo assim é ela quem é vista como carinhosa, amável. E a Hishiro como malvada e imprevisível.

Estive refletindo. As pessoas se sentem mais confortáveis quando o outro aparenta não trazer perigo, mesmo que isso não seja realmente o que eles queiram e/ou precisam.

Quando eu tinha doze anos eu resolvi aparentar ser "boba", pois já havia percebido que os garotos gostavam das meninas que pareciam frágeis, bobas, e falavam com voz mole. E realmente, isso teve resultados. Ser alguém de "personalidade forte" assusta. Ter opinião e defendê-la assusta. E as pessoas preferem aqueles que parecem ser mais amenos. Eu não quero mais aparentar ser boba. Eu nunca gostei disso. E mesmo assim isso me moldou por muito tempo. E nessa de ir me permitindo, me valorizando, sendo eu mesma e percebendo os motivos por trás de determinados comportamentos eu comecei a negar essas ações. E o que eu ganhei? 

As pessoas são diferentes, agem e pensam de formas diferentes diante de situações parecidas. Mesmo que eu ame a Hishiro e a Ratinha eu não posso tentar prendê-las em um abraço, simplesmente porque eu quero. Eu preciso respeitar a individualidade e o momento de cada uma delas. É preciso aprender a lidar com nossas vontades e as vontades dos outros.

No entanto é importante valorizar essas individualidades. E perceber quais mais se conectam com a gente. É preciso se aproximar de quem faz bem pra gente e se afastar daquilo/daqueles que não fazem. As vezes para perceber isso é preciso se afastar de tudo e todos para ter uma visão mais panorâmica das situações, sentir o que nos faz falta e o que não faz e refletir os motivos desses sentimentos. Talvez assim a gente encontre um meio termo entre a Hishiro e a Ratinha. Pois tem momentos que precisamos de uma Hishiro, que é carinhosa, porém tem seus limites, e tem momentos que precisamos de uma Ratinha, que é carinhosa, porém também tem seus limites, e as duas agem de formas diferentes diante de situações parecidas. E está tudo bem!


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